My African House

Friday, May 18, 2007

Crónicas do Fim-do-Mundo

Dia 1 – 15 Maio

Tudo começou às 10 da manhã no terminal dos voos domésticos do 4 de Fevereiro. Horas daquela curiosa confusão de gente num espaço claramente insuficiente, numa deliciosa mistura de cores, línguas e raças, que mais parece uma versão concentrada da Torre de Babel.

Depois, finalmente, o avião. Velho mas pintado de fresco. Entrada pela retaguarda, através de uma escada basculante que desce da cauda. Curioso.

Paramos no Huambo (a cidade natal de uma leitora aqui deste blog – Olá Natacha!) da qual guardo apenas a vista aérea de uma cidade cheia de verde e com diversos edifícios novos ou reconstruídos.

Finalmente, duas horas e meia depois de entrar no avião, chego a Menongue, a capital do Kuando Kubango, a que por cá chamam ‘As Terras do Fim-do-Mundo’. E com muita razão acrescento eu.

A paisagem é de savana. A cidade é muito pequena, ruas largas, casas abandonadas, ou de tal modo degradas que assim o aparentam e, aqui e ali, a salpicar de cor a arquitectura da cidade, uma ou outra moradia arranjada e pintada com a alegre e improvável mistura de cores que só em África se encontra.

Também salpicado parece ter sido o alcatrão, para o meio das inúmeras crateras que dão corpo às estradas da cidade. Irónico, digo ao nosso orgulhoso anfitrião e condutor:

- Se conhecermos alguém responsável pela conservação das estradas, temos que lhe dar uma palavrinha!

Ri-se, encolhe os ombros e queixa-se da falta de recursos.

Ruas quase sem trânsito, apenas com enxames de motociclos que aqui são também táxis, árvores cobertas de flores de diversas cores, crianças que brincam na rua, zungueiras que vendem na berma… esta cidade é ao mesmo tempo fascinante e desesperantemente um fim do mundo.

Não há água e nem luz eléctrica que não a produzida no gerador de cada casa. Não me surpreende por isso que no hotel – o único da cidade - avisem logo à partida:

- Há energia das 18:00h às 0:00h.

Ena! - Penso eu.

O que não avisam é que não vou ter água nem sítio para tomar banho. Um alguidar grande faz as vezes de pulliban, mas terei que racionar a água do alguidar, porque é também ela que vai servir para tudo aquilo que for preciso no quarto.

Curiosamente, o cheiro que o vento traz, o sossego, a segurança de poder ir caminhar sozinho pelas ruas não iluminadas de Menongue depois do cair da noite, deixam-me num estado de felicidade quase infantil.

- Há um feitiço em África! - Dizia-me há dias o Muxima, na festa do Artur – Quem vem, não descansa enquanto não fica cá a viver.

Há dias em que não consigo discordar dele. Hoje foi um deles.



Dia 2 – 16 de Maio

O dia começou cedo; pouco passava das 4:30 quando os (muitos) cães de Menongue me presentearam com uma serenata de uivos, mesmo por baixo da minha janela. Nos primeiros instantes praguejei e pensei atirar-lhes com a cómoda (com psiché integrado) para cima, mas confesso que depois de 10 minutos de uivos eu não conseguia parar de rir com a situação.

Ainda assim, tão repentinamente quanto começou, a canzoada decidiu calar-se e seguir a sua vidinha. Adormeci, então. Mas apenas para ser acordado cerca das 5:30 por um coro de galos a anunciar os primeiros raios de sol.

Na verdade, considerando que me deitara às 21:30 (estamos no fim do mundo, não se esqueçam), nem sequer tinha mais sono e acordar com galos a cantar é preferível às buzinas e som de motores de Luanda.

Li na cama, fiz ronha, tentei dormir e por fim, lá tocou o despertador.

Sei que desde que ontem contei que a higiene diária ia ser feita num alguidar, todos vocês estão à espera das fotos do meu banho. Mas decidi poupar-vos a coisas tristes e, em vez disso, conto-vos a estranheza que causei no restaurante onde fomos tomar o pequeno-almoço, ao declinar amavelmente uma sopa de carne ou um prego no prato com salada e preferir um inusitado pão com chouriço e um café com leite.

A moça não o disse, mas pelo seu olhar, de certeza que pensou: ‘Estes pulas são mesmo malucos’.

A manhã de trabalho, em si, foi até mais produtiva do que aquilo que eu estava à espera e, como constatei mais tarde, foi mesmo mais produtiva do que o que deveria ter sido.

Porquê? Porque não vamos poder ir para Luanda amanhã (quinta-feira) e mesmo no dia seguinte estamos em lista de espera. Ora, como aqui não há nada para fazer excepto ver os ponteiros do relógio a andar e já caminhei pela cidade toda de máquina fotográfica em punho – enfrentando a curiosidade inerente ao facto de ser o único branco que vejo desde Luanda – começo a achar que deveria ter tido menos pressa a trabalhar.

É que, se não bastasse a limitação de energia das 18:00 às 24:00, ainda por cima a única tomada no quarto não permite ligar o carregador do portátil e a bateria já era. Adeus música e adeus ‘free-cell’.

Por outro lado, o livro do João Garcia vai ser lido em menos de 3 dias.

Mas nem tudo é aborrecido. Menongue é um sítio bonito para se fazer fotos. Especialmente na zona do rio Cuebe, um rio de corrente forte e águas límpidas que atravessa a cidade. Desci até à margem para o fotografar e descobri o costume local de homens e mulheres se lavarem despidos nas águas do rio. Nos primeiros instantes fiquei um bocado sem jeito, mas rapidamente percebi que o único incomodado era eu e como tal, resolvi encarar a coisa com a mesma naturalidade que eles.

2 Comments:

At 4:08 PM, Blogger Atlantys said...

Olhaaaaaaaaaa ainda mexes =)))

 
At 4:47 PM, Blogger KooKa said...

Queres tu dizer portanto, com o último parágrafo, que tomaste banho ;)

 

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