My African House

Tuesday, February 19, 2008

Há dias assim



Estava sentada na beira do passeio no espaço entre dois carros. A posição, ironicamente igual à do ‘pensador’, cotovelos apoiados nos joelhos com as mãos no rosto sujo. O corpo nu, completamente nu e nem o menor sinal de estar consciente disso.

O rosto tinha o olhar vazio de quem não espera mais da vida. Não um olhar louco. Um olhar triste e vazio de quem não pode ter menos. Nem um resto de pano cobria o corpo despido e maltratado desta mulher. Jovem ainda, sentada no passeio de uma das ruas mais movimentadas de Luanda.

As pessoas passavam indiferentes, afastando-se ligeiramente. Do interior dos seus carros de dezenas de milhar de dólares, parados na interminável fila de trânsito que é Luanda durante o dia, alguns deitavam olhares reprovadores.

Pareceu que só eu consegui ver um ser humano ali parado, no mais baixo patamar da pobreza, aquele em que um ser humano tem apenas o seu corpo. Nem um único pertence. Mas até eu, embora incapaz de esquecer o olhar devastadoramente vazio, me afastei, empurrado pelo pudor do corpo despido, sujo, ossudo, de quem não recebe nada da vida há muito.

A experiência Angolana tem mudado a minha perspectiva da vida. Desde logo, mudei todo o meu sistema de valores e sou agora menos – muito menos – ligado a bens materiais; por outro lado, criei uma capa que me permite conviver com a pobreza no dia a dia, sem deixar de dormir com isso, mas, quando esta tarde decidi caminhar os cerca de 2km desde a baixa ao Kinaxixe, não estava preparado para este murro no estômago.

A natureza humana consegue coisas muito desumanas.