My African House

Friday, May 18, 2007

Crónicas do Fim-do-Mundo (II)

Dia 3 – 17 de Maio

Desta vez não houve cães e foi mesmo por falta de sono que despertei alguns minutos antes dos galos anunciarem a aurora.

Tal como ontem, obtive um olhar espantado como resposta ao meu inabitual pequeno-almoço, mas preferi isso ao funge com carne e cerveja, da mesa ao lado.

Espantado fiquei também eu com a conversa ao pequeno-almoço; falava-se de tradições e superstições, algo em que a cultura africana é extremamente rica.. Anyway, a conversa tomou um rumo deveras arrepiante: comentavam-se as tradições de diversas zonas do país, pelas quais as avós paternas dos recém-nascidos devem comprovar a legitimidade dos netos; os métodos variam de província para província, mas vão do atirar o bebé ao chão e ver se sobrevive (!!!), ao enfiar a mão do bebé num buraco na terra.

Confesso que nem tive coragem de perguntar o que sucede aos que falham em tão exactos testes de linhagem.

Adiante, fomos ao escritório de manhã acabar todas as pontas soltas e ainda conseguimos sair a tempo de, antes de almoço, ir visitar o município do Missombo.

Missombo é um lugar histórico. Foi aqui que se esconderam os insurgentes do 4 de Fevereiro de 1961, o início da luta armada pela independência; é também aqui que está acantonado o 5º Batalhão das FAA, precisamente aquele que perseguiu e abateu Jonas Savimbi.

História à parte, o que mais me impressionou foi a massagem que a suspensão traseira da pick-up me deu nas costas ao longo dos 45 minutos que demorámos a percorrer os 15km de estrada. Conseguem imaginar o estado da estrada?

Da parte da tarde, as minhas companheiras de viagem insistiram com o nosso anfitrião para nos levar a um mercado, porque queriam comprar ‘Samacaca’ (panos tradicionais).

E assim fomos e foi um momento fantástico; fomos a um mercado enorme e labiríntico, com bancas de madeira que vendem de motas e geradores a cuecas e farinha de fuba. Poder andar por ali de máquina fotográfica na mão em segurança foi uma boa demonstração do quão calma é Menongue. Ainda assim, não consegui passar despercebido e em poucos minutos tinha um grupo de crianças a seguir todos os meus passos.

Regressados do mercado, acabei mesmo o livro do João Garcia, mas a boa notícia é que vamos ter voo para Luanda amanhã às 8:00.

Crónicas do Fim-do-Mundo

Dia 1 – 15 Maio

Tudo começou às 10 da manhã no terminal dos voos domésticos do 4 de Fevereiro. Horas daquela curiosa confusão de gente num espaço claramente insuficiente, numa deliciosa mistura de cores, línguas e raças, que mais parece uma versão concentrada da Torre de Babel.

Depois, finalmente, o avião. Velho mas pintado de fresco. Entrada pela retaguarda, através de uma escada basculante que desce da cauda. Curioso.

Paramos no Huambo (a cidade natal de uma leitora aqui deste blog – Olá Natacha!) da qual guardo apenas a vista aérea de uma cidade cheia de verde e com diversos edifícios novos ou reconstruídos.

Finalmente, duas horas e meia depois de entrar no avião, chego a Menongue, a capital do Kuando Kubango, a que por cá chamam ‘As Terras do Fim-do-Mundo’. E com muita razão acrescento eu.

A paisagem é de savana. A cidade é muito pequena, ruas largas, casas abandonadas, ou de tal modo degradas que assim o aparentam e, aqui e ali, a salpicar de cor a arquitectura da cidade, uma ou outra moradia arranjada e pintada com a alegre e improvável mistura de cores que só em África se encontra.

Também salpicado parece ter sido o alcatrão, para o meio das inúmeras crateras que dão corpo às estradas da cidade. Irónico, digo ao nosso orgulhoso anfitrião e condutor:

- Se conhecermos alguém responsável pela conservação das estradas, temos que lhe dar uma palavrinha!

Ri-se, encolhe os ombros e queixa-se da falta de recursos.

Ruas quase sem trânsito, apenas com enxames de motociclos que aqui são também táxis, árvores cobertas de flores de diversas cores, crianças que brincam na rua, zungueiras que vendem na berma… esta cidade é ao mesmo tempo fascinante e desesperantemente um fim do mundo.

Não há água e nem luz eléctrica que não a produzida no gerador de cada casa. Não me surpreende por isso que no hotel – o único da cidade - avisem logo à partida:

- Há energia das 18:00h às 0:00h.

Ena! - Penso eu.

O que não avisam é que não vou ter água nem sítio para tomar banho. Um alguidar grande faz as vezes de pulliban, mas terei que racionar a água do alguidar, porque é também ela que vai servir para tudo aquilo que for preciso no quarto.

Curiosamente, o cheiro que o vento traz, o sossego, a segurança de poder ir caminhar sozinho pelas ruas não iluminadas de Menongue depois do cair da noite, deixam-me num estado de felicidade quase infantil.

- Há um feitiço em África! - Dizia-me há dias o Muxima, na festa do Artur – Quem vem, não descansa enquanto não fica cá a viver.

Há dias em que não consigo discordar dele. Hoje foi um deles.



Dia 2 – 16 de Maio

O dia começou cedo; pouco passava das 4:30 quando os (muitos) cães de Menongue me presentearam com uma serenata de uivos, mesmo por baixo da minha janela. Nos primeiros instantes praguejei e pensei atirar-lhes com a cómoda (com psiché integrado) para cima, mas confesso que depois de 10 minutos de uivos eu não conseguia parar de rir com a situação.

Ainda assim, tão repentinamente quanto começou, a canzoada decidiu calar-se e seguir a sua vidinha. Adormeci, então. Mas apenas para ser acordado cerca das 5:30 por um coro de galos a anunciar os primeiros raios de sol.

Na verdade, considerando que me deitara às 21:30 (estamos no fim do mundo, não se esqueçam), nem sequer tinha mais sono e acordar com galos a cantar é preferível às buzinas e som de motores de Luanda.

Li na cama, fiz ronha, tentei dormir e por fim, lá tocou o despertador.

Sei que desde que ontem contei que a higiene diária ia ser feita num alguidar, todos vocês estão à espera das fotos do meu banho. Mas decidi poupar-vos a coisas tristes e, em vez disso, conto-vos a estranheza que causei no restaurante onde fomos tomar o pequeno-almoço, ao declinar amavelmente uma sopa de carne ou um prego no prato com salada e preferir um inusitado pão com chouriço e um café com leite.

A moça não o disse, mas pelo seu olhar, de certeza que pensou: ‘Estes pulas são mesmo malucos’.

A manhã de trabalho, em si, foi até mais produtiva do que aquilo que eu estava à espera e, como constatei mais tarde, foi mesmo mais produtiva do que o que deveria ter sido.

Porquê? Porque não vamos poder ir para Luanda amanhã (quinta-feira) e mesmo no dia seguinte estamos em lista de espera. Ora, como aqui não há nada para fazer excepto ver os ponteiros do relógio a andar e já caminhei pela cidade toda de máquina fotográfica em punho – enfrentando a curiosidade inerente ao facto de ser o único branco que vejo desde Luanda – começo a achar que deveria ter tido menos pressa a trabalhar.

É que, se não bastasse a limitação de energia das 18:00 às 24:00, ainda por cima a única tomada no quarto não permite ligar o carregador do portátil e a bateria já era. Adeus música e adeus ‘free-cell’.

Por outro lado, o livro do João Garcia vai ser lido em menos de 3 dias.

Mas nem tudo é aborrecido. Menongue é um sítio bonito para se fazer fotos. Especialmente na zona do rio Cuebe, um rio de corrente forte e águas límpidas que atravessa a cidade. Desci até à margem para o fotografar e descobri o costume local de homens e mulheres se lavarem despidos nas águas do rio. Nos primeiros instantes fiquei um bocado sem jeito, mas rapidamente percebi que o único incomodado era eu e como tal, resolvi encarar a coisa com a mesma naturalidade que eles.

Tuesday, May 15, 2007

KK, aqui vou eu!!

É apenas para vos contar que saio daqui a 10 minutos para o aeroporto 4 de Fevereiro, para apanhar o avião para o Kuando Kubango. Nós próximos dias vou ficar na cidade de Menongue.

Depois mostro as fotos!

Friday, May 11, 2007

2 a 11 Maio

Estas quase duas semanas passaram num instante.

Para além da workshop - que correu lindamente, obrigado – andámos todos com imenso trabalho, a correr de um projecto para o outro e mal tivemos tempo de respirar. Ainda assim, conseguimos mais um fantástico fim-de-semana de praia, mesmo a calhar para o aniversário do Ricardo.

Nesse dia fomos jantar e dançar ao Miami e foi uma noite bem animada. Mais animada para uns que outros, já que, enquanto eu fui dormir às duas, a Susana, o Ricardo e mais um monte de gente, foram dançar para o Palo’s até os empurrarem para a rua.

Entretanto o Alexandre foi embora para Lisboa, mas deve estar cheio de saudades, já que falamos diariamente ao telefone.

Mas as aventuras têm sido muitas… desde o motorista que não consegue ver nada à noite (- Oh Quito, olha ali aquele buraco enorme… QUITO!!... BUUUMMMM…. Olha, rebentou um pneu) à Lina que foi assaltada e ficou sem chaves de casa, obrigando-nos a uns dias sem limpeza das casas até termos conseguido cópias das chaves… enfim, uma alegria.

Neste momento a Susana está no avião a chegar à Portela e eu estou aqui a preparar a minha viagem ao Kuando Kubango na próxima terça feira. Depois eu mostro as fotos.

Não posso deixar de partilhar um dos acontecimentos que mais me impressionou esta semana; em conversa com a project manager do cliente de um dos meus projectos, descobri que ela, o marido e os filhos de ano e meio têm todos os dias que se levantar às 3.45h, para conseguir estar no centro de Luanda a horas de trabalhar!!! E não é por morarem longe ou demorarem horas a arranjar-se.

Percebem o que quero dizer quando refiro que o trânsito aqui faz o IC19 parecer uma via rápida?

Wednesday, May 02, 2007

28 Abril a 1 Maio

Fim de Semana 28 e 29 de Abril

Ainda não eram 7:30h quando o avião tocou a pista do Aeroporto 4 de Fevereiro. Abri os olhos, estremunhado e sorri para a Susana, que passava pelo mesmo doloroso processo de acordar. Saímos e o calor húmido do início da manhã deu-nos a boas vindas. Adeus nuvens e vento frio de Lisboa, olá sol quente de Luanda.

Depois de uma, anormalmente rápida, passagem pela sala de desembarque, lá temos o Dodó à espera para nos deixar em casa. No caminho pergunto:

- Dodó, a Elsa e a Andreia deixaram-te a chave da casa, não foi?
- Sim, senhor.
- E tens a chave, não tens?
- Sim senhor (e mais umas palavras incompreensíveis)

Bem, eis senão quando, ao chegar ao portão ficamos todos a olhar uns para os outros. Eu e a Susana olhamos o Dodó à espera que ele pegue na chave e ele a olhar para nós à espera que um se decida a abrir o portão.

-Dodó, tens aí a chave, não é? – Pergunto.
- Não, sô Rui.
- Mas… há pouco disseste que a tinhas.
- Sim, mas está em minha casa.

Eu e a Susana trocamos olhares incrédulos e lá peço ao Dodó que, se não se importa, a vá buscar a casa, já que era ali que ela fazia falta.

E pronto, lá passamos os primeiros 45 minutos da nossa estada em Luanda, à porta de casa, com as malas no chão, à espera do regresso do Dodó e da chave.

Nada como um bom princípio, para não nos esquecermos de como as coisas mais simples podem trazer novas surpresas a cada momento.

Foi um fim-de-semana sem grande história. Fomos para a praia na Ilha do Cabo com o Alexandre, a Ana, o irmão da Susana e restantes colegas e procurámos ao máximo recuperar o tom bronzeado perdido nas três semanas de Lisboa.

Desta vez decidi fazer uma espécie de tour fotográfico e temos também andado pela cidade a fotografar tudo. Tipo turistas japoneses, mas sem ser turistas, sem ser japoneses e com uma câmara de marca Americana e fabricada na China.


Igreja da Sagrada Família

30 de Abril

O doloroso regresso ao trabalho. Pegar nas coisas que a Andreia e a Elsa cá deixaram – infelizmente, tive várias complicações com a obtenção do visto e a minha vinda acabou por se atrasar tanto que nem consegui estar com elas aqui – tentar recomeçar onde elas deixaram e planear as próximas semanas.

Curiosamente, este dia, véspera de feriado, um dia que se esperava calmo dado que muita gente fez ‘ponte’ e não veio trabalhar, acabou por ser o dia com mais trânsito de que me lembro em Luanda. Demorei cerca de uma hora para fazer pouco mais de 1 km. Ai que saudades do trânsito da Av Fontes Pereira de Melo!

1 de Maio

Hoje revi o Paulo César. O Paulo trabalhou comigo há 5 anos e desde essa altura tornou-se um globetrotter. Viajou sozinho, de mochila às costas, pela Ásia durante vários meses, trabalhou em sítios que não lembra ao diabo e, por fim, decidiu começar uma nova etapa aqui em Luanda.

Foi um bom reencontro! Luanda parece por vezes uma extensão da ‘tuga’ e encontro com frequência pessoas que num ou noutro momento se cruzaram na minha vida, mas mais de 6 000km a norte e a quem, com o tempo, perdi o rasto.


O Paulo